ESTADOS UNIDOS

Quem está sendo preso pelo ICE nos EUA durante o governo Trump?

No início de junho, cerca de 51 mil migrantes sem documentos se encontravam detidos pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE). A BBC explica quais são os grupos de imigrantes que são alvo do programa de deportação em massa do governo Donald Trump.

Os protestos em Los Angeles surgiram depois que batidas do ICE (o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) em diferentes pontos da cidade resultaram na prisão de 118 pessoas -  (crédito: EPA-EFE/Shutterstock)
Os protestos em Los Angeles surgiram depois que batidas do ICE (o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) em diferentes pontos da cidade resultaram na prisão de 118 pessoas - (crédito: EPA-EFE/Shutterstock)

Durante a campanha eleitoral, Donald Trump deixou muito claro: "No meu primeiro dia, vou lançar o maior programa de deportação de criminosos da história dos Estados Unidos".

As pesquisas de opinião indicaram que esta promessa contou com ampla popularidade entre o povo americano – incluindo os imigrantes legais, que achavam que muitas pessoas estavam chegando ao país "da forma errada".

Desde que assumiu o poder, o presidente ampliou o escopo da sua missão. Ele ou a buscar não apenas os criminosos, mas os trabalhadores imigrantes, alguns estudantes ativistas e até turistas por questões de vistos.

Estas mudanças enfrentaram pouca resistência por quase cinco meses, até que eclodiram protestos em partes de Los Angeles, no Estado americano da Califórnia, onde os agentes de imigração intensificaram suas batidas nos locais de trabalho.

Mas quem são os imigrantes detidos nessas batidas? E quem mais está na mira do governo americano?

Policiais armados prendem pessoas junto ao marco de entrada da cidade de Paramount, no Estado americano da Califórnia
EPA-EFE/Shutterstock
Os protestos em Los Angeles surgiram depois que batidas do ICE (o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) em diferentes pontos da cidade resultaram na prisão de 118 pessoas

Criminosos e prisões 'colaterais'

Desde seu retorno à Casa Branca, o presidente Trump se vangloria da forte queda do número de pessoas que cruzam as fronteiras do país e do recorde de prisões do seu governo.

No início de junho, cerca de 51 mil imigrantes sem documentos se encontravam detidos pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês). Este é o maior número já registrado desde setembro de 2019.

Não estão disponíveis ao público os números precisos e atualizados do total de detenções de imigrantes desde o dia 20 de janeiro, data da posse de Donald Trump.

Mas autoridades da Casa Branca declararam esperar que o ICE possa atingir até 3 mil prisões por dia, o que representa um aumento significativo em relação às cerca de 660 detenções diárias, verificadas durante os primeiros 100 dias do segundo mandato de Trump.

Inicialmente, as autoridades americanas defenderam que as operações tinham como alvo criminosos e potenciais ameaças à segurança pública. Mas um número significativo de imigrantes sem documentos detidos pelo governo Trump não tem agem pela polícia, segundo uma agência verificadora de dados.

Homem abaixado, detido por duas pessoas, com câmeras fotográficas ao fundo
Charly Triballeau/AFP via Getty Images
As prisões realizadas pelo ICE ocorrem em todo tipo de instância – até nos tribunais de imigração

A Câmara de o a Registros Transacionais é um projeto da Universidade de Syracuse, no Estado de Nova York, que compila estatísticas de imigração.

Ela estima que, das 51.302 pessoas mantidas em detenção pelo ICE no último dia 1º de junho, cerca de 44% não tinham registros criminais, exceto por terem entrado nos Estados Unidos sem autorização.

Os protestos em Los Angeles foram deflagrados por uma série de prisões de imigrantes que, ao todo, envolveram 118 pessoas. O Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos (DHS) afirmou que cinco membros de gangues criminosas estavam entre essas pessoas.

O ICE qualificou os presos em Los Angeles como sendo "os piores dos piores". A agência identificou algumas pessoas com histórico criminal, incluindo tráfico de drogas, agressão, maus tratos a crianças, violência doméstica, assaltos e contrabando de pessoas.

Mas não se sabe ao certo quantas dessas pessoas têm histórico criminal.

Os pais de um imigrante sem documentos de 23 anos, membro da comunidade indígena mexicana zapoteca, declararam ao jornal The Washington Post que seu filho não tem agem pela polícia. Ele foi detido em frente a uma loja de roupas.

A BBC não conseguiu confirmar os detalhes deste caso de forma independente.

O czar da fronteira dos Estados Unidos, Tom Homan, justificou estas prisões como danos "colaterais". Ele defende que os agentes não podem se justificar legalmente se encontrarem imigrantes sem documentos sem detê-los.

O astro do TikTok mais popular do mundo, Khaby Lame, de terno e chapéu cinza, com pessoas ao fundo
Dia Dipasupil/Getty Images
Até Khaby Lame – o astro do TikTok mais popular do mundo, com mais de 160 milhões de seguidores – enfrentou problemas com agentes de imigração americanos

Visitantes e moradores

Houve também diversos casos de turistas que foram presos e mantidos em centros de detenção, incluindo cidadãos britânicos, canadenses e da União Europeia.

Em abril, por exemplo, uma turista de 28 anos do País de Gales foi mantida por 19 dias em um centro de processamento do ICE no Estado de Washington. Ela teve sua entrada no Canadá negada devido ao que ela chamou posteriormente de "confusão de vistos".

Em outro incidente, em junho, o cidadão italiano Khabi Lame, de 25 anos, foi detido no aeroporto de Las Vegas, no Estado de Nevada, por "violações de imigração". Lame é o astro do TikTok mais popular do mundo, com 162 milhões de seguidores.

O ICE alegou que ele ultraou o prazo do seu visto, depois de entrar nos Estados Unidos no dia 30 de abril. As autoridades afirmaram posteriormente terem oferecido "partida voluntária" a Lame e ele deixou o país.

Além disso, em março, a atriz canadense Jasmine Mooney (que participou do filme American Pie: O Livro do Amor, de 2009) foi detida por cerca de duas semanas, no cruzamento da fronteira americana com o México em San Ysidro, na Califórnia. Ela tentava renovar seu visto para entrar nos Estados Unidos.

Mooney descreveu as condições de sua detenção como desumanas. Ela afirma ter sido mantida em uma cela de concreto, sem cobertor e com o limitado ao banheiro. A atriz foi liberada sem ser acusada de nenhum crime.

Seu caso chamou a atenção do primeiro-ministro da província canadense da Colúmbia Britânica, David Eby. Ele afirmou que o incidente despertou ainda mais ansiedade entre os canadenses, em relação a viajar para os Estados Unidos.

O governador da província canadense da Colúmbia Britânica, David Eby, sentado em uma cadeira
Isabella Falsetti/Bloomberg via Getty Images
O governador da província canadense da Colúmbia Britânica, David Eby, expressou sua preocupação com o estado das relações entre seu país e os Estados Unidos

"A natureza das nossas relações no momento é tão tensa que este caso leva todos nós a imaginar como estarão os nossos parentes que trabalham nos Estados Unidos", declarou ele à TV pública canadense CBC.

Outras pessoas foram detidas nos aeroportos, como o cidadão alemão Fabian Schmidt, de 34 anos. Ele mora nos Estados Unidos desde 2007 e foi detido quando voltava para o país, vindo de Luxemburgo.

Em entrevista à emissora jornalística WGBH, do Estado americano de New Hampshire, Schmidt contou ter sido questionado sobre uma acusação relacionada a drogas, que foi posteriormente retirada, e outra de dirigir sob influência de substâncias, que resultou em multas e liberdade condicional.

O DHS normalmente tem evitado comentar sobre casos específicos, mas defende repetidamente que mantém suas operações dentro da lei.

Cerca de prisão com arame farpado, torre de observação  e montanha ao fundo
Alex Peña/Getty Images
As deportações do governo Trump para o Cecot (Centro de Confinamento do Terrorismo) em El Salvador causaram imensas preocupações

'Inimigos estrangeiros'

Algumas das imagens mais marcantes da nova gestão da imigração pelo governo Trump vieram de milhares de quilômetros de distância dos Estados Unidos – mais precisamente, da República de El Salvador, na América Central.

Ali, mais de 250 pessoas foram transferidas para uma megaprisão local, o Cecot (Centro de Confinamento do Terrorismo). O governo americano afirma que eles são membros da organização criminosa Trem de Aragua.

Mas familiares de alguns daqueles homens negaram qualquer ligação com a gangue. Alguns defendem que eles foram levados devido a inocentes tatuagens.

Considerados "inimigos estrangeiros", eles foram deportados dos Estados Unidos com base em uma lei de 1798, que concede às autoridades amplos poderes para ordenar a detenção e deportação de cidadãos ou pessoas provenientes de nações "inimigas".

"É realmente desalentador", declarou à BBC Adalys Ferro, diretora-executiva do grupo de defesa Venezuelan-American Caucus. "Todas estas decisões são desumanas, cruéis e também ilegais."

O caso de maior destaque é o de Kilmar Ábrego García, de 29 anos. Ele é natural de El Salvador e morava no Estado americano de Maryland, quando foi deportado em março.

Diversos juízes, incluindo da Suprema Corte americana, determinaram que Ábrego García foi deportado por erro e que o governo deve "possibilitar" seu retorno para os Estados Unidos e para sua família.

No dia 6 de junho, ele retornou para os EUA, para enfrentar acusações criminais em nível federal. Ele foi acusado de transportar migrantes sem documentos ilegalmente, quando ainda morava nos Estados Unidos.

Detenção da estudante de pós-doutorado turca Rümeysa Öztürk, da Universidade Tufts, nos Estados Unidos
Reuters
A detenção em plena rua da estudante de pós-doutorado turca Rümeysa Öztürk causou indignação

Estudantes

Cidadãos estrangeiros que participaram de protestos políticos também ficaram na mira do governo americano, mesmo com residência permanente nos Estados Unidos ou vistos de estudante válidos.

Anthony Enriquez é chefe dos trabalhos de defesa da organização sem fins lucrativos Robert F. Kennedy Human Rights.

Ele declarou à BBC que, desde o retorno de Trump à presidência, é "cada vez maior" a quantidade de detenções de imigrantes portadores de green cards, o visto de residência permanente no país.

"As autoridades de imigração se sentem no poder de realizar prisões que, legalmente, não são permitidas", afirma ele.

Por motivos variados, mais de 1,6 mil estudantes internacionais já tiveram seus vistos revogados, segundo a organização Nafsa, especializada em educação internacional.

Manifestante com papéis e megafone, vestindo camisa pedindo a libertação do estudante palestino Mahmoud Khalil
Kena Betancur/VIEWpress/Corbis via Getty Images
O estudante palestino Mahmoud Khalil foi preso por supostamente participar de protestos em favor da Palestina

Muitas das prisões se seguem à repressão da Casa Branca contra o que ela qualifica de antissemitismo nos campi universitários americanos.

Elas incluem a detenção de Mahmoud Khalil, que se destacou durante os protestos contra a guerra na Faixa de Gaza na Universidade Columbia, no ano ado.

Khalil tem 30 anos de idade e possui visto permanente. Ele luta na Justiça para impedir sua deportação.

A estudante Rümeysa Öztürk – da Universidade Tufts, no Estado de Massachusetts – também ou seis semanas em custódia até ser liberada. A universidade declarou ter recebido a informação de que o visto de estudante da sua aluna foi cancelado posteriormente.

Öztürk é candidata a doutorado e participou dos protestos pró-Palestina. Ela continua tentando evitar sua deportação na Justiça.

Estes casos foram alvo de intensas críticas, mas o ICE justificou parte das prisões, afirmando que os estudantes participaram de atividades "alinhadas" ao Hamas.

"O visto é um privilégio, não um direito", afirmou no X (antigo Twitter) a porta-voz do Departamento de Segurança Nacional americano, Tricia McLaughlin.

BBC
Bernd Debusmann Jr. - Da Casa Branca para a BBC News
postado em 13/06/2025 15:17 / atualizado em 13/06/2025 15:28
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